Em 1813, um certo Monsieur Desabie abriu uma das primeiras boutiques de moda de Paris, na esquina da Rue de Seine e Rue de Buci, chamada ‘Les Deux Magots’, em homenagem a uma peça famosa da época: “Os Dois Magos da China”.
O sucesso foi tanto que a loja foi sendo ampliada até que, em 1873, foi transferida para instalações especialmente construídas na esquina do Boulevard St. Germain com a Rue de Rennes. Esta nova loja de departamentos tinha três andares, com apartamentos acima. Foi nesta época que duas magníficas estátuas orientais foram adquiridas. Em 1881, a loja mudou de mãos. Vendida ao dono da renomada loja de departamentos ‘Le Printemps’ (que havia sido devastada pelo fogo) lamentavelmente seria usada apenas como depósito.
DE COMERCIANTE DE
VINHOS A CAFÉ LITERÁRIO
Em 1884, ‘Les Deux Magots’ foi transformada em uma distribuidora de vinhos justamente no momento em que St. Germain-des-Prés se transformava em um bairro artístico, com a presença de editoras como Grasset e Gallimard e o teatro ‘Le Vieux Colombier’. Em 1914, Auguste Boulay, um antepassado dos atuais proprietários, percebeu o potencial da localização do edifício. Depois de uma remodelação, surgiu o café ‘Les Deux Magots’ que rapidamente se tornou o lugar para “ver e ser visto”.
Pintores, escritores, artistas e figuras proeminentes da época viveram importantes momentos no palco de ‘Les Deux Magots’. Verlaine conheceu Mallarmé; Oscar Wilde tomava seu chá regularmente; Foujita, Appolinaire e Moreas conduziam animados debates nos quais os mais famosos escritores e pensadores participavam.
Nos anos 20, o movimento surrealista entrou em cena. O café foi anfitrião de Andre Breton, Louis Aragon, Paul Éluard, Jean Giraudoux, Max Ernst e muitos outros, todos trocando histórias e se divertindo com contos extravagantes de suas aventuras. O ‘Deux Magots’ se transformara na sede do movimento surrealista. No início dos anos 30, enquanto o resto da cena internacional era bastante monótona e tediosa, o movimento surrealista em Paris manteve viva a ideia de uma alegre anarquia.
Em 1933, depois que André Malraux recebeu o prestigiado Prêmio Goncourt por um de seus romances acadêmicos, um grupo de escritores entusiastas decidiu que deveria haver outro prêmio ‘independente’ de talento e originalidade. Nascia, naquele momento, o ‘Le Prix des Deux Magots’.
Na tensa atmosfera pré-guerra, Saint-Germain tornou-se o centro intelectual de Paris. Gide, Malraux e outros se envolviam em discussões intermináveis no terraço do café. Paul Eluard apresentou Dora Maar a Picasso no ‘Deux Magots’, Françoise Giroud tomava café com Saint Exupery enquanto Paul Morand mergulhava em conversas profundas com seu amigo Jean Giraudoux.
Depois da II Grande Guerra, St-Germain voltou à vida e o café foi o cenário da sua efervescência cultural. O futuro deveria ser diferente, a mudança estava no ar e Jean Paul Sartre respondeu lançando o movimento existencialista. Todas as manhãs, com Simone de Beauvoir, ele se sentava no ‘Les Deux Magots’ e escrevia por horas, muitas vezes sem nenhuma pausa, apenas para falar de vez em quando com Ernest Hemingway, outro cliente regular. Os seus acolhedores salões também foram palco de conversas com Jorge Luis Borges, Alberto Moravia ou Umberto Eco.
O local foi ponto estratégico para os eventos de Maio de 1968 quando, em protesto, os estudantes arrancaram as pedras da calçada do nosso famoso café para usar como munição em suas causas.
VIDA CULTURAL NO
LES DEUX MAGOTS
Desde 1933, o ano literário começa em Paris com o prêmio ‘Deux Magots’, concedido todo mês de Janeiro. O júri premia trabalhos igualmente diversos e a lista é uma junção de honrados e ilustres escritores que chamam a atenção, como Raymond Queneau em 1933 («Le Chiendent»), Olivier Séchan, Antoine Blondin, Fernand Pouillon e Kéthévane Davrichewy em 2017 («L’Autre Joseph»).
Mas o ‘Les Deux Magots’ não negligencia outros campos de atuação artística. O Prêmio Peleas é concedido a uma obra que verse sobre música; o Prêmio Apollinaire, que acontece no ‘Deux Magots’, premia um escritor por uma coleção poética ou pelo conjunto de sua obra. As exposições de arte presentes no café também refletem seu ecletismo e poderão, em breve, ser replicadas em São Paulo.
LES DEUX MAGOTS
NO EXTERIOR
No final dos anos oitenta, um ‘Les Deux Magots’ foi aberto como restaurante e café, com boutiques de produtos franceses bem no coração de Tóquio, no centro cultural de Bunkamura. Recentemente foi inaugurado também um café em Riyadh, na Arábia Saudita além de nossa nova casa em São Paulo.